Dicas de Cordel

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Cordel - Crônica Popular: DELÍCIAS DE PORTA EM PORTA

Em meio ao mundo de enlatados os mercadores típicos de um ciclo que parece não findar ainda dão o ar da graça pelas ruas e praças de todo lugar, vendendo delícias de porta em porta. No mesmo ritmo de antes, no mesmo formato de sempre, com a mesma criatividade para fazer-se identificar quando passa, levando os sabores de uma cozinha particular para completar a mesa de todos nós.

Pois é, enquanto a terra anda pelos caminhos globais, para cada vez mais ser uma só, desata-se o nó no cafundó de um, de um tipo típico, às vezes raquítico de tanto caminhar; vendendo delícias de inspiração singular para encher a barriga da gente, moradores de casas e prédios à beira das ruas de muitas cidades.

“Olhe a cocada de coooco... aperreia menino!”. À tardezinha, mais alguns passos pelas ruas do bairro, e: “Olhe a cocada de coooco... aperreia menino!”. Assim vão todos os dias.

O mundo mercantil de seu José, de seu Joaquim, dona Maria ou Conceição, de todos que pisam o chão do seu lugar e nele encontram grandeza e benevolência para trabalhar, é assim; fazendo da sua terra o seu mercado público, donde não arredam o pé, a não ser para contorná-lo vendendo obras deliciosas.

“Vai passando o mungunzá... mungunzá, café e bolo!” Voz arisca e precisa,  como se fosse um segredo, contado com ligeireza na modulação exata de clareza e altura: “Vai passando o mungunzá... mungunzá, café e bolo!” O aviso é dado de manhã cedo para o desjejum e no final da tarde para complemento do jantar, todos os dias. O ritmo é o mesmo, mas vai além do que se vê como contexto meramente comercial. Há um sinal de luz e labor, de tempo e de modo, de força e vigor; há uma poesia rústica, entremeando a necessidade do fazer, que mais parece ao mesmo tempo, trabalho e lazer, que vem pela recompensa no dar e receber, no levar e trazer, numa prosa contínua e completa sem haver enfado nenhum. “Vai passando o mungunzá... mungunzá, café e bolo!”, o anúncio seguido de um assovio é pura arte. A arte de seu João sobre sua bicicleta/tabuleiro que ronda as ruas do bairro da Madalena, no Recife, diariamente.

Pessoas simples e notáveis, artistas do gosto/sabor, que têm prazer de levar prazer de porta em porta. Alguns vão de instrumentos na mão, ao invés de usar a voz, usam a habilidade de inventar som.

O vendedor de “cavaquinho” (uma espécie de biscoito folhado em rolos finíssimos que se desmancham na boca, uma delícia) anuncia, através de um toque intermitente de um triângulo agudo, que vai passando com sua lata nas costas, amarrada com correias de couro, que alardeia levando “cavaquinho” para quem quiser comprar.

Tem outro, desses personagens reais, que anuncia com um apito na boca, semelhante a uma pequeníssima zamponha, instrumento de sopro inca, e um tabuleiro na cabeça, o seu cuscuz doce, em formato de minúsculos bolos ensopados em leite de coco. Passa fazendo propaganda do produto nas manhãs e tardes de Olinda e Recife, soprando o apito de um lado para o outro da boca. Quem prova uma vez, duvido que na próxima deixe esse apito tocar em vão.

“Macaxeira, olhe a macaxeira”!  (in natura). É na porta de casa, colhida pela madrugada do mesmo dia. Num carro de mão, com manivas sobre os tubérculos para protegê-la do Sol, “Macaxeira, olhe a macaxeira”! 

Outros se apresentam ao grande público das praias do grande Recife. “Limonada, limonada gelada!” Em época de calor é providencial!

 “Vai passando na sua rua a carroça do puro milho!” O anúncio agora vem com locução gravada, acompanhada de vinheta cantada, num marketing contemporâneo. “pamonha, canjica, bolo de milho, pé de moleque, bolo de macaxeira, milho cozinhado” – “Atenção donas de casa, a carroça do puro milho vai passando na sua rua!” Todos os dias no final da tarde. Delícias de porta em porta.

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